RESENHA | "LARANJA MECÂNICA" de Anthony Burgess

Foto: Acervo Pessoal - Parágrafo Cult
Editora: ArteNova  |  Páginas: 205  |  Ano: 1977  |  Gênero: Distopia, Humor Negro, Drama
Sinopse: O protagonista e anti-herói Alex, amante de música clássica (principalmente de Ludwig Van Beethoven) e líder de uma gangue de delinquentes (seus amigos são chamados de "drugues") que roubam e estupram, cai nas mãos da polícia. Preso, Alex é usado em uma experiência chamada "Tratamento Ludovico", criado pelo Estado e destinado a refrear os impulsos destrutivos dos delinquentes. Quando volta as ruas regenerado, passa a sofrer com aqueles que antes eram as vítimas.

Acho que hoje em dia quase todo mundo já ouviu falar de Laranja Mecânica, principalmente por conta do filme de 1972, dirigido por Stanley Kubrick e considerado uma obra-prima por muitos, inclusive por mim. Assisti ao filme na faculdade durante a aula de Psicologia Pedagógica e fiquei bem chocada. Era um filme forte e marcante, violento, cru. Impossível de se esquecer. Porém na época (foi no primeiro período, se não me falha a memória), eu não sabia que o filme era a adaptação de um livro de mesmo nome do ano de 1962. 
Passaram-se anos e a vontade de ler a obra não passava, até que um amigo me deu a sua edição de presente. É uma edição antiga, publicada em 1977 já com as páginas bem gastas. Um charme que só. Adoro livros assim porque carregam toda uma história. No mesmo dia já comecei a leitura. É um livro pequeno então imaginei que em uns dois dias no máximo teria já terminado. Engano meu.
O livro Laranja Mecânica é mais pesado que o filme. Ouso dizer, com o meu pouco conhecimento de cinema, que foi o filme do Kubrick adaptado de um livro mais fiel a obra original (um salve para O Iluminado que apesar de ser uma obra-prima, é bem diferente do livro, em essência, principalmente)

 - O que dá em vocês todos? [...] Você tem uma bela casa aqui, bons pais que te amam, você não tem um cérebro lá tão ruim. É algum diabo que entra dentro de você?

O livro é narrado em primeira pessoa por Alex, um jovem inteligente de quinze anos e líder de uma gangue de drugues. Ele conversa com o leitor o tempo inteiro, contando a sua história como se estivesse batendo um papo tranquilo. Suas falas são recheadas de gírias nadsat, um vocabulário estranho e diferente criado pelo autor formado por palavras que são provenientes do vocabulário russo e inglês. A maioria você consegue identificar seu significado tranquilamente sem atrapalhar na leitura mas em alguns outros casos, você precisaria de recorrer ao pequeno dicionário que contém no final do livro para entender. Admito que esse foi um dos grandes motivos da minha demora em terminar a obra. Alex usa muitas gírias em sua narrativa e eu tinha que parar várias vezes e ir ao dicionário para saber o significado de determinadas palavras. Conforme a leitura segue, isso diminui quase que totalmente porque vamos nos acostumando. Apesar disso, outras gírias conhecidas por nós também estão presentes nos diálogos e na narrativa de Alex e isso não nos deixa esquecer que apesar de toda a crueldade presente no protagonista, Alex é apenas um adolescente. 
O que eu achei mais interessante foi que Alex é cruel, sádico e controlador ao mesmo tempo que é completamente refinado e inteligente, grande fã de Beethoven. Você percebe isso quando ele briga com seu drugue em um bar apenas porque o mesmo queria interromper a música que tocava: uma ópera. O que ele achou um desrespeito, afinal, a música clássica o levava a um estado de êxtase, o que não é algo comum a um adolescente de quinze anos.

Transformar um jovem decente em uma coisa mecânica não deveria, certamente, ser encarado como triunfo para nenhum governo, a não ser aquele que se gabe de sua capacidade de repressão.

Alex controla todo o seu grupo com punhos de ferro, sendo um pequeno ditador para seus druguezinhos e consegue de forma dissimulada posar de bom moço e filho perfeito não só para os pais a fim de controlá-los para conseguir o que quer como para outras pessoas, como o vemos fazer com algumas senhoras, para conseguir um álibi após um de seus crimes. 
Acho que  todo esse carisma e simpatia do personagem nos faz até mesmo criar uma certa afeição por ele. Você só não passa a amá-lo porque ele narra suas cenas de ultraviolência de forma tão gráfica e explícita que fica impossível não sentir um certo asco pelo jovem. Ele te conta tudo no livro, não em forma de confissão mas como se estivesse falando algo completamente corriqueiro e comum. Alex parece ver o leitor como um amigo a quem merece saber de todo o horrorshow que já colocou em prática. 
Por muitas vezes durante a leitura, me peguei tentando entender o motivo do mesmo estar fazendo tanta coisa ruim porém sempre cheguei a mesma conclusão: não há motivos. Alex gosta de ser cruel e faz isso muito bem. Toda a sensação de poder e impunidade que ele sente ao por seus crimes em prática faz com que se sinta intocável.

Será que eu serei apenas uma laranja mecânica?

Eu não sei qual cena me chocou mais, se foi a cena onde espancava um homem quebrando seus dentes até cansar enquanto se divertia com seus drugues ou se foi a cena de estupro narrada de forma gráfica demais. Sou mulher então acho que essa última foi a que mais mexeu comigo, me senti bem incomodada e sei que essa era a intenção do autor ao inserí-la na história. Uma cena onde ele se aproveita de duas crianças também foi bem chocante para mim, principalmente porque após tal ato grotesco, ele se limitou a deitar na cama ao som de uma música clássica e relaxar.
O mundo ultraviolento e invencível de Alex começa a desabar quando o mesmo é traído por sua própria gangue, o que tem como resultado a sua prisão. É ali que a vida dele começa a mudar. Desesperado para sair logo dali, ouve falar na Técnica Ludovico que se resume em um experimento que promete curar a maldade. 

A questão é se uma técnica dessas pode realmente fazer um homem bom. A bondade vem de dentro. A bondade é algo que se escolhe. Quando um homem não pode escolher, ele deixa de ser um homem.

O problema dessa técnica é que Alex deixa de ser quem é. Ele perde a capacidade de fazer escolhas por conta própria e agora era fisicamente incapaz de ter qualquer ato voluntário de violência. Já que costumava ouvir suas músicas tão amadas durante ou após seus crimes, o mesmo não consegue mais escutar sua seu cantor preferido, Beethoven, por exemplo.
O questionamento que fica é: Liberdade mas a que custo? Perder o direito de tomar suas próprias decisões valeu a pena? Alex começa a ser vítima de violência de várias formas e não falo de atos vindos de seus antigos companheiros de gangue e sim de pessoas comuns, como velhinhos, por exemplo. Fiquei surpresa de saber que o final do livro é completamente diferente do filme dos anos 70. Pesquisando sobre, vi que o livro sofrera uma grande censura na época e que para que o leitor sentisse um certo senso de justiça, o final do livro fora alterado nas edições americanas da obra. O final do filme segue essa mesma linha, o que justifica o descontentamento do autor com relação a adaptação, afinal, o filme deixou um final bem aberto e incompleto, sem a conclusão maravilhosa do livro.

 - Isso foi há dois anos. Já fui castigado desde então. Aprendi a minha lição.
 - Castigo? Gente da sua laia devia ser exterminada, assim como muitas pragas incômodas.

Sendo sincera, gosto bastante do final do filme porém o final do livro é tão real e pesado que consegue ser ainda melhor. Alex está mais velho e tem consciência que a tendência é que a sociedade fique cada vez mais repleta de violência do que em seu tempo. Ele narra tudo da sua forma fria e despeja todo o pesar que acumulou com o que passou. 
Uma curiosidade: para quem não entendeu porque o nome do livro é Laranja Mecânica, eu vou explicar porque é bem interessante. A Laranja seria o Homem, algo orgânico. Um trocadilho com Orange (laranja em inglês) e Orangotan (orangotango em inglês). O que ficaria algo como Homem Mecânico, que é justamente o que o Alex se torna após a Técnica Ludovico. Não é algo normal do ser humano, assim como não é comum algo orgânico com engrenagens, como uma Laranja Mecânica.
Enfim, acho que a resenha já ficou longa demais. Eu indico MUITO a leitura dessa distopia, principalmente para quem goste de livros que nos façam parar por um momento para refletir e absorver seu conteúdo. Porém aviso de novo que é um livro pesado apesar da narrativa super simples e fácil e da necessidade que se dá de vez ou outra ir no dicionário do livro para ver os significados das palavras nadsat. Também já aviso que pode conter gatilhos sobre violência e estupro, o que ficou bem óbvio aí na resenha. 

NOTA: 4,5 / 5,0

Já leram o livro ou assistiram a adaptação? O que acharam? 

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25 Comentários

  1. Oi, Larissa como vai? Menina que resenha incrível! Esse livro é maravilhoso, assisti também ao filme, contudo eu prefiro certamente o livro, muito embora o filme tenha o seu valor. É um livro que carrega em suas páginas todo um peso de atos inescrupulosos, como estupro e a violência de um modo geral na sociedade. O final é marcante não é mesmo! Abraço.



    https://lucianootacianopensamentosolto.blogspot.com/

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  2. Parabens pela resenha
    Otima como sempre
    Aqui vejo indicaçoes de livros diferentes e isso e muito bom
    Nao conheci o livro mas ja ouvi sobre o filme
    Dica anotada

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  3. Oi Larissa,

    Confesso que esse livro nunca me chamou atenção para leitura. Mas gosto de acompanhar as resenhas e ver opinião de quem leu a história.

    Bjs
    http://diarioelivros.blogspot.com/

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  4. Já vi diversas opiniões sobre o livro e sempre são boas, pelas opiniões esse livro já está na minha lista de leituras mas, ainda não consegui ler, confesso que ele está bem longe das próximas, mas um dia chego lá.
    Beijocas.

    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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  5. Ainda não conhecia esse livro, mas pela sua resenha deu para ver que a história é impactante. Confesso que não leio muito sobre esse tema, mas fiquei curiosa para conhecer esse livro!

    https://www.kailagarcia.com

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  6. É incrível mas nem o filme vi! Após ler o que escreveste fiquei com ainda mais vontade, mais que não seja, de ver o filme! :) Beijinhos
    --
    O diário da Inês | Facebook | Instagram

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  7. Olá!!gostei muito da resenha e fiquei com curiosidade de ler o livro, tanbem nunca vi o filme! <3

    pimentamaisdoce.blogspot.pt

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  8. eu já ouvi falar do livro. Mas nunca li.
    Não é uma história que chama minha atenção.
    bjs www.diadebrilho.com

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  9. "é mais pesado que o filme"

    Penso que, na obra escrita, por se tratarem de adolescentes envolvidos em tudo aquilo, já é por demais violento.

    Gosto bastante do romance e do filme. Kubrick nunca buscou agradar a autor algum e sempre pensou em fazer o filme à sua maneira, da melhor forma que caberia na tela. E sempre acertou. O autor pode ficar de muxoxo à vontade. Mas o nome que estará estampado, no cinema, é o do diretor. E, convenhamos, o livro só vende até hoje diante do sucesso do filme, que se tornou icônico. Aposto que a grande maioria dos leitores buscam a obra devido ao filme.

    Sobre o título, tenho minhas dúvidas. Ainda penso muito no título do romance que o escritor da história está escrevendo e na famosa expressão "as queer as a clockwork orange". Mas penso que uma das graças sobre o título é, sempre, deixar tal ambiguidades pairando.

    Gostei do final do romance. E gostei do final do filme.

    Abraços e parabéns pela resenha.

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    1. Realmente, podemos ver que Kubrick sempre ousou colocar seu ponto de vista nas adaptações literárias que fez. Isso deixou uma respeitável lista de autores que não gostam do diretor porém o deixou também com muitas obras-primas no currículo. Foi uma troca justa. hahaha
      Se me lembro bem, no livro mesmo tem uma explicação sobre o nome Laranja Mecânica quando ele vai na casa daquele autor em um dos seus ataques com sua gangue. Porém ter o final ambíguo é um "brilho" a mais à obra que por si só já é maravilhosa.
      Quanto aos finais, apesar de ter preferência pelo final do livro, não nego que o do filme também é muito bom. Sem contar que Malcolm Mcdowell arrasou como Alex. Sem comentários.

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    2. "Foi uma troca justa"

      Justa. Mas onde os autores saíram ganhando em respeito e notoriedade (logo, em vendas) e ofenderam o cineasta a troco de nada. Kubrick nunca se deu ao trabalho de responder a essas lorotas, felizmente.

      Abraços!!!

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  10. Olá, Larissa.
    Eu não assisti o filme nem li o livro. E a sua é a primeira resenha que leio dele falando obre essa violência explicita. Eu até tenho ele aqui em e book mas agora fiquei com um pé atras porque sou fraca para essas cenas. Não sei se lerei.

    Prefácio

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  11. Oi, Larissa
    Eu nunca assisti Laranja Mecânica, nem sei o porque desse nome. Nem sabia que tinha um livro kkkk sou completamente alheia a filmes com críticas sociais, então fico bem perdida nas histórias, mas a obra te surpreendeu e eu acho que isso já é um fator importante.
    Beijo
    https://www.capitulotreze.com.br

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  12. Já ouvi dizer muito a respeito do filme, porém nunca assisti ou li o livro. Mas, adorei a sua resenha.

    Um beijo,

    www.purestyle.com.br

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  13. Eu nunca assisti o filme e nem li o livro, mas tenho muita vontade. Eu adorei a sua resenha e espero algum dia ler, talvez até antes de assistir ao filme.

    https://www.biigthais.com

    Beijoos;*

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  14. Oi! Eu nunca li o livro e nem vi a adaptação, mas acho que a obra traz uma premissa interessante. Bjos!! Cida
    Moonlight Books

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  15. Esse livro foi uma das primeiras distopias que li e posso dizer que foi uma experiência ótima e que ainda lembro das varias sensações que obtive.

    Beijos

    Imersão Literária

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  16. O filme Larissa, está na minha lista de "filmes que não quero rever".
    Se o livro é pior que o filme, imagino o terror que seja.
    No filme, quando fizeram o procedimento para acabar a agressividade daquele marginal, fiquei feliz.
    Aquele psicopata causou muito mal.
    Queria vê-lo destruído.

    O livro fala dos outros marginais que o acompanhava?

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    Respostas
    1. Não, o livro é narrado pelo próprio Alex em si então o foco é quase que inteiramente nele e em seus crimes, nas consequências de suas ações e nele próprio após a técnica Ludovico. Eu sempre acabo achando as obras literárias mais pesadas porque eu me sinto mais "por dentro" do que acontece na trama quando leio do que quando assisto por isso achei o livro mais intenso e pesado porém as cenas são bem similares nos dois, o livro difere mais do final mesmo.

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  17. Já comecei a ler esse livro, mas infelizmente a leitura não fluiu e eu a abandonei, talvez tenha sido falta de paciência com todas as gírias e palavras difíceis. E só tenho uma coisa a dizer sobre Alex, ele é um adolescente psicopata. No caso dele tudo bem ter liberdade sem ter escolha, já que suas escolhas sempre foram maldosas, mas nesse caso também entra outra questão social: a forma que as pessoas comuns agem quando sente certa medida de poder sobre outras pessoas, consideradas até inferiores.
    Assim que possível ainda quero assistir o filme, que como vc mesma disse, é uma obra de arte. E gostei de saber o significado do título do livro.
    Beijo, Blog Apenas Leite e Pimenta ♥ | Instagram - Vem interagir no Insta tbm!

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  18. Meu namorado já me indicou essa leitura, mas ainda não li. Adorei ver sua opinião, e ver que você gostou tanto.

    www.vivendosentimentos.com.br

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  19. Oi, Lari!
    Já li o livro, mas infelizmente não foi uma boa experiência. Até passei ele pra frente.
    Beijos
    Balaio de Babados

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  20. Já ouvi falar muito do filme, mas confesso que nem sabia do que se tratava e muito menos que existia o livro. Apesar de forte me pareceu uma leitura interessante.

    Beijos/Kisses.

    Anete Oliveira
    Blog Coisitas e Coisinhas
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  21. Oi, Lari

    Sempre me perguntei o porquê desse nome, mas nunca corri atrás para descobrir, então obrigada por explicar. Achei interessantíssimo!
    Eu não assisti ao filme e nem li o livro, mas ele está na lista de distopias clássicas que eu tenho que tomar vergonha na cara e ler logo jonto com 1984, A Revolução dos Bichos, Admirável Mundo Novo...
    Esse lance de abordar qual é o custo de algo sempre gera debates interessantes, por isso espero curtir.

    Beijos
    - Tami
    https://www.meuepilogo.com

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  22. O livro eu não li, mas o filme é bem chocante mesmo!
    Ontem mesmo estávamos falando no curso sobre esse filme...

    https://www.heyimwiththeband.com.br/

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