Crepúsculo e os relacionamentos abusivos na cultura pop

Quando mais nova, gostei de muitas coisas que quando olho atualmente, me pergunto "Como eu realmente pude gostar disso?". Acho que isso é algo bem comum, afinal, com o tempo, a tendência é que nós mudemos a nossa forma de agir e pensar. Amadurecemos. Isso faz parte do crescer do ser humano. 

Essa semana, resolvi dar uma olhada na minha estante e fazer um mega desapego de livros que não tinha o interesse na leitura ou que não me agradavam. Alguns foram para as pilhas de doação, outros eu não consegui abrir mão. Porém ali, naquele amontoado de páginas e palavras cheirando a mofo, encontrei uma série que me levou instantaneamente de volta a minha época de adolescente: a série Crepúsculo.

Eu sempre amei o sobrenatural e tudo que o envolvia. E sempre amei livros. Então desde nova leio livros que tenha algo relacionado ao tema e caio morrendo de amores. Quando chegava o jornal de domingo, eu já ia para a sessão dos livros para saber dos lançamentos e dos mais vendidos da semana e um dia, ao fazer isso, me deparo com uma matéria enorme sobre o romance de Stephenie Meyer. Falava lindamente sobre um romance impossível entre uma jovem e um vampiro e sobre as dificuldades para manter aquele amor sem que ele, o vampiro, cedesse aos seus desejos pelo sangue da moça. 

"Então o leão se apaixonou pelo cordeiro."

Pronto! Minha versão de treze anos, em pleno 2008 vibrou e nesse mesmo dia quando fui ao shopping, tive que convencer a minha mãe a me comprar um livro de vampiros que naquela mesma noite foi lido por mim. Sim, em uma madrugada eu lera o livro.

Me apaixonei, desejei loucamente um romance assim. Morri de amores pelo vampiro apaixonado e protetor, queria um daqueles em minha vida. Comprei os outros livros da série que lançaram, fui no cinema ver os filmes e com o tempo essa febre toda foi sumindo. 

Olhar para aqueles livros ali, abandonados na minha estante com uma pequena camada de poeira sobre eles me encheu de nostalgia e me colocou para pensar. Hoje, com a cabeça que tenho, onze anos depois, vejo tantos problemas onde antes eu via uma linda história de amor que percebo sobre o quão importante é falar sobre relacionamentos abusivos. 

Não, não sou uma pessoa avessa ao romantismo. Por mais que eu leia muitos livros de suspense ou terror, gosto de um bom romance de vez em quando. Porém, falemos agora dos problemas em todo o amor ali. Eu não irei usar os filmes como base para meu pequeno artigo amador, apenas os livros porém o jeitão dos personagens é praticamente o mesmo em ambos. Também não vou entrar no tópico de que hoje em dia amo as histórias com os vampiros tradicionais estilo Anne Rice e Bram Stocker porque não é o tema dessa conversa. 

Edward é a idealização do homem perfeito. É bonito, rico, charmoso, encantador, misterioso, protetor e completamente apaixonado pela protagonista que, ao seu próprio ver, é uma garota completamente sem graça que não acreditava merecer alguém tão próximo da perfeição. MAAAAAS o livro é um romance então é claro que a centelha do amor iria brilhar para os dois e o amor iria acontecer. Até mesmo Edward sabe que o relacionamento não é saudável, já que se refere a Bella como um cordeiro e ele um leão. 

"Você é mais importante que todos os outros. E você me deu você. Já é mais do que mereço, e qualquer coisa que você me der, só vai aumentar o desequilíbrio entre nós."

A protagonista se torna alguém completamente dependente do namorado-vampiro e se afasta de todos ao seu redor, até mesmo sua família - vulgo o seu pai, Charlie já que a mãe é bem ausente - fica em segundo plano. Sua felicidade se resume a olhar para ele, em estar perto dele, NELE. Tem toda aquela situação também de ele querer controlar certas decisões que são exclusivamente dela, como sobre sua virgindade, sobre ela ser transformada e etc. 

Me lembrei das cenas onde ele entrava no quarto dela para observá-la dormir. Quando ela finalmente descobre isso, ficamos sabendo que esse era um hábito do vampiro já haviam meses, um comportamento bem assustador. Ou quando ela queria ver o melhor amigo, Jacob, e seu namorado não deixava, chegando a tirar uma peça de seu carro para que ela não saísse, quando Edward a seguia pela cidade sem que ela soubesse e como vivia repetindo para a garota sobre o quanto tinha vontade de provar de seu sangue mas que não o fazia porque sabia que não conseguiria parar se começasse. 

Em Lua Nova, a sequência de Crepúsculo, percebemos o quão baixa é a autoestima de Bella depois do fim do relacionamento com Edward. Ela cai em uma depressão profunda chegando a colocar sua própria vida em risco várias vezes apenas por causa dele, porque quando está sob risco, tem alucinações com a voz de Edward. Porém, a culpa nunca é dele. É sempre porque ela era pouco para alguém que era muito, dentre diversas outras desculpas que dava para si mesma jogando toda a carga em cima de si. 

"Eu gosto de te assistir dormir. É fascinante."

Não estou dizendo que a série Crepúsculo é ruim. A série até tem um certo charme, eu mesma era louca por tudo relacionado a ela. Porém eu era uma adolescente que não sabia muito sobre relacionamentos abusivos. Tinha todo aquele estereótipo de "Príncipe" consolidado na minha cabeça graças a filmes e livros românticos antigos. Vale lembrar que muitos outros livros nesse estilo surgiram depois de Crepúsculo como a série Cinquenta Tons de Cinza que também fala sobre relacionamentos abusivos, apesar de eu achar que essa é até menos do que Crepúsculo. 

Eu não escrevi esse texto para criar treta ou coisas do tipo, muito menos estou cuspindo no prato que antes eu adorava comer, apenas quis trazer esse assunto - relacionamentos abusivos na cultura pop - para a roda de conversa e para mostrar sobre como mudamos a nossa forma de pensar com o tempo, que tá tudo bem deixar de gostar de algo que antes te agradava tanto. Edward não era um boy-lixo em muitos momentos porém seu namoro com a Bella não era saudável e isso é algo que pode ser visto de forma bem clara. O livro tem muitos outros problemas ali que podem render assunto, como por exemplo, a mãe de Bella que é ausente, Jacob e seu beijo roubado e tentativa para tal, o "imprinting" dele com a Renesmee e etc. 

Esse assunto todo não se resume apenas a essa série, muitos outros livros e até filmes mostram relacionamentos tóxicos de forma romântica. Séries, livros e filmes que podemos um dia ter lido ou assistido e amado mas que hoje, que o assunto de relacionamentos abusivos já é mais falado, veríamos com um olhar completamente diferente. Alguns exemplos famosos que consigo me lembrar de livros, filmes e séries, são: Blair Waldorf e Chuck Bass de Gossip Girl, Sandy e Danny Zuko de Grease, Noah e Allie de Diário de uma Paixão, Christian Grey e Anastasia de Cinquenta Tons e por aí vai, a lista é enorme. 

Fico muito feliz hoje em dia de ver livros com relacionamentos mais saudáveis mesmo aqueles que apresentam dificuldades, afinal, nada é tão fácil assim em uma boa história de amor. E não é preciso que alguma das partes demonstre ser possessiva, ciumenta ou territorialista para para provar que ali realmente existe um sentimento verdadeiro.

Essa série e esse tema rendem assunto para muitas conversas, mas, me diga, você concorda com meu ponto de vista? Qual livro/série/filme você assistiu que tinha um relacionamento mais tóxico que Chernobyl? Me conte. Ah, vale lembrar que os livros ainda tem seu lugar no meu coração, então se você for fã, não me odeie. Senta aí e vamos conversar. :D

Também quero acrescentar que muitos livros antigos também tem essa visão mais romantizada de relacionamento porém usei Crepúsculo como base por ser mais "recente".